A reflexão crítica da prática é uma
exigência da relação teoria/ prática, sem a qual a teoria irá virando apenas
palavras, e a prática, ativismo.
Há um processo a ser considerado na
experiência permanente do educador. No dia-a-dia ele recebe os conhecimentos – conteúdos
acumulados pelo sujeito, o aluno, que sabe e lhe transmite.
Neste sentido, ensinar não é
transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito
criador dá forma, alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem
discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças, não se
reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender.
Ensinar é mais que verbo-transitivo
relativo, pede um objeto direto: quem ensina, ensina alguma coisa; pede um
objeto indireto: à alguém, mas também ensinar inexiste sem aprender e aprender
inexiste sem ensinar.
Só existe ensino quando este resulta
num aprendizado em que o aprendiz se tornou capaz de recriar ou refazer o
ensinado, ou seja, em que o que foi ensinado foi realmente aprendido pelo aprendiz.
Esta é a vivência autêntica exigida
pela prática de ensinar-aprender. É uma experiência total, diretiva, política,
ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética.
Nós somos “seres programados, mas,
para aprender” (François Jacob). O processo de aprender pode deflagrar no
aprendiz uma curiosidade crescente que pode torná-lo mais e mais criador, ou em
outras palavras: quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender
tanto mais se constrói e desenvolve a “curiosidade epistemológica”, sem a qual
não alcançamos o conhecimento cabal do objeto.
1. ENSINAR EXIGE RIGOROSIDADE METODOLÓGICA
O educador democrático, crítico, em
sua prática docente deve forçar a capacidade de crítica do educando, sua
curiosidade, sua insubmissão. Trabalhar com os educandos a rigorosidade
metódica com que devem se “aproximar” dos objetos cognoscíveis, é uma de suas
tarefas primordiais. Para isso, ele precisa ser um educador criador,
instigador, inquieto, rigorosamente curioso, humilde e persistente. Deve ser
claro para os educandos que o educador já teve e continua tendo experiência de
produção de certos saberes e que estes não podem ser simplesmente transferidos
a eles.
Educador e educandos, lado a lado,
vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do
saber. É impossível tornar-se um professor crítico, aquele que é mecanicamente
um memorizador, um repetidor de frases e idéias inertes, e não um desafiador.
Pensa mecanicamente. Pensa errado. A verdadeira leitura me compromete com o
texto que a mim se dá e a que me dou e de cuja compreensão fundamental me vou
tornando também sujeito.
Só pode ensinar certo quem pensa
certo, mesmo que às vezes, pense errado. E uma das condições necessárias a
pensar certo é não estarmos demasiados certos de nossas certezas. O professor
que pensa certo deixa transparecer aos educandos a beleza de estarmos no mundo
e com o mundo, como seres históricos, intervindo no mundo e conhecendo -o
.Contudo, nosso conhecimento do mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o conhecimento
novo supera outro que antes foi novo e se fez velho, e se “dispõe” a ser
ultrapassado por outro amanhã.
Ensinar, aprender e pesquisar lidam
com dois momentos do ciclo gnosiológico: o momento em que se ensina e se
aprende o conhecimento já existente, e o momento em que se trabalha a produção
do conhecimento ainda não existente.
É a prática da “do-discência” :
docência- discência e pesquisa.
2. ENSINAR EXIGE PESQUISA Não há ensino sem pesquisa, nem pesquisa sem ensino.
Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque
indaguei, porque indago e me indago. Educo e me educo. Pesquiso para conhecer o
que ainda não conheço e para comunicar o novo.
3. ENSINAR EXIGE RESPEITO AOS SABERES DO EDUCANDO A escola deve respeitar os saberes
socialmente construídos pelos alunos na prática comunitária. Discutir com eles
a razão de ser de alguns saberes em relação ao ensino dos conteúdos. Discutir
os problemas por eles vividos. Estabelecer uma intimidade entre os saberes
curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como
indivíduos. Discutir as implicações políticas e ideológicas, e a ética de
classe relacionada a descasos.
4. ENSINAR EXIGE CRITICIDADE Entre o saber feito de pura experiência e o resultante dos procedimentos
metodicamente rigorosos, não há uma ruptura, mas uma superação que se dá na
medida em que a curiosidade ingênua, associada ao saber do senso comum, vai
sendo substituída pela curiosidade crítica ou epistemológica que se rigoriza
metodicamente.
5. ENSINAR EXIGE ESTÉTICA E ÉTICA Somos seres históricos – sociais, capazes de comparar,
valorizar, intervir, escolher, decidir, romper e por isso, nos fizemos seres
éticos. Só somos porque estamos sendo. Transformar a experiência educativa em
puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no
exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser
humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do
educando. Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma
altamente negativa e perigosa de pensar errado. Pensar certo demanda
profundidade na compreensão e interpretação dos fatos. Não é possível mudar e
fazer de conta que não mudou. Coerência entre o pensar certo e o agir certo.
Não há pensar certo à margem de princípios éticos, se mudar é uma possibilidade
e um direito, cabe a quem muda, assumir a mudança operada
6. ENSINAR EXIGE A CORPOREIFICAÇÃO DA PALAVRA PELO EXEMPLO
O professor que ensina certo não
aceita o “faça o que eu mando e não o que eu faço”. Ele sabe que as palavras às
quais falta corporeidade do exemplo quase nada valem. É preciso uma prática
testemunhal que confirme o que se diz em lugar de desdizê-lo.
7. ENSINAR EXIGE RISCO, ACEITAÇÃO DO NOVO E REJEIÇÃO A QUALQUER FORMA DE
DISCRIMINAÇÃO - O
novo não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, nem o velho recusado,
apenas por ser velho. O velho que preserva sua validade continua novo. A
prática preconceituosa de raça, classe, gênero ofende a substantividade do ser
humano e nega radicalmente a democracia.
Ensinar a pensar certo é algo que se
faz e que se vive enquanto dele se fala com a força do testemunho; exige
entendimento co-participado. É tarefa do educador desafiar o educando com quem
se comunica e a quem comunica, produzindo nele compreensão do que vem sendo
comunicado. O pensar certo é intercomunicação dialógica e não polêmica.
8 ENSINAR EXIGE REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE A PRÁTICA - Envolve o movimento dinâmico,
dialético entre o fazer e o pensar sobre o fazer. É fundamental que o aprendiz
da prática docente saiba que deve superar o pensar ingênuo, assumindo o pensar
certo produzido por ele próprio, juntamente com o professor formador. Por outro
lado, ele deve reconhecer o valor das emoções, da sensibilidade, da
afetividade, da intuição.
Através da reflexão crítica sobre a
prática de hoje ou de ontem é que se pode melhorar a próxima prática. E, ainda,
quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a razão de ser como estou
sendo, mais me torno capaz de mudar, de promover-me do estado da curiosidade ingênua
para o de curiosidade epistemológica. Decido, rompo, opto e me assumo.
9. ENSINAR EXIGE O RECONHECIMENTO E A ASSUNÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL - Uma das tarefas mais importantes da
prática educativo-crítica é propiciar condições para que os educandos em suas
relações sejam levados à experiências de assumir-se. Como ser social e
histórico, ser pensante, transformador, criador, capaz de ter raiva porque
capaz de amar.
A questão da identidade cultural não
pode ser desprezada. Ela está relacionada com a assunção do indivíduo por ele
mesmo e se dá, através do conflito entre forças que obstaculizam essa busca de
si e as que favorecem essa assunção.
Isto é incompatível com o treinamento
pragmático, com os que se julgam donos da verdade e que se preocupam quase
exclusivamente com os conteúdos.
Um simples gesto do professor pode
impulsionar o educando em sua formação e autoformarão. A experiência informal
de formação ou deformação que se vive na escola, não pode ser negligenciada e
exige reflexão. Experiências vividas nas ruas, praças, trabalho, salas de aula,
pátios e recreios são cheias de significação.
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